Existe um ditado hispânico que diz que viver com medo é como viver pela metade, meia vida. Isto pode ser traduzido na velha preocupação maranhense em “se queimar” com qualquer lado em uma disputa, preferindo uma meia vida ao invés de se posicionar. Uma navegação audaciosa só pode ser enfrentada com inteireza e coragem. Não é à toa que Kant afirmou ser a covardia uma das responsáveis por manter o homem e a mulher na menoridade. Daí nossa participação no Governo Jackson Lago (2007-2009) ter se pautado e se revestido dessa inteireza. Essa perspectiva de totalidade foi a adotada pelo planejamento do desenvolvimento, planejamento gestado e desenvolvimento realizado à luz dos conhecimentos, experiências e vivências daqueles que nele política e tecnicamente militaram.
As bases fundantes do desenvolvimento libertador, implementado sob o Governo Jackson Lago, foram construídas com norte e convicção. De posse dessa carta de navegação e orientados por bússola segura sabíamos claramente quais problemas enfrentar e os rumos para tal. Aqui nos distanciamos de certa tradição do antigo regime sobrevivo – os governos que lhe são afetos, sempre se caracterizaram pelo espontaneísmo e voluntarismo, desprovidos dos instrumentos e da instrumentação necessária a uma ação governamental efetiva, só possuíam planos de papel. Não basta ir aos municípios construir ou inaugurar o que eles não solicitaram, mas é fundamental ter uma visão do conjunto, do todo, ao risco de se incorrer nos governos itinerantes, “cuidantes”, festivos, mas efêmeros, explicitamente eleitoreiros e incapazes de transformar concretamente a realidade.
A palavra de ordem sempre foi a democratização, na perspectiva de garantir o desenvolvimento do Maranhão. Os técnicos e membros do governo se debruçaram intensa e detidamente sobre a realidade estadual no que tange às dimensões estatal, econômica e socioambiental. Esse esforço concentrado resultou na produção dos estudos técnicos da regionalização para o desenvolvimento, cujas idéias e concretude fluíram no Plano Plurianual-PPA 2008-2011, isto é, tudo o que seria feito em quatro anos de governo com os recursos públicos [abreviados para dois por força do golpe].
É dever intelectual esclarecer à sociedade os obstáculos a serem ultrapassados e as estratégias de superação, respectivamente identificados e adotadas pelo Governo Jackson Lago, cuja divulgação e conhecimento à época foram prejudicados pela desinteligência de mídia e domínio quase total dos jornais, TV’s e rádios pela oligarquia sobreviva. Considerando que atualmente dizer já é fazer, demonstrar já é realizar, o ataque silencioso sofrido durante o governo não foi mera coincidência. Tudo o que se fazia, era omitido, desvirtuado, negado ou desconstruído na mídia dominada, para logo depois do golpe ser assumido de forma mutilada pelo governo ilegítimo.
Estes estudos foram publicados e disponibilizados nos sites da Secretaria do Planejamento e do Imesc, sua construção foi obra das mãos das lideranças comunitárias, políticas e sociais; dos técnicos do governo; do Banco do Brasil e do Sebrae. Tais estudos realizados evidenciaram como principais obstáculos a serem superados:
1 Destruição da máquina administrativa: fruto da Reforma administrativa do Governo Roseana Sarney (1995-2001) que privatizou empresas públicas, extinguiu órgãos fundamentais, demitiu mais de 9 mil servidores, colocou 1,5 mil em disponibilidade, legando como herança um Estado sem capacidade de planejar, sem assistência técnica para a agropecuária e outros setores produtivos, uma administração pública arcaica e atrasada com altíssimo endividamento.
2 Centralização do Estado: 50% dos recursos públicos na capital para atender as estruturas de saúde, educação superior e segurança nela concentrados, somados aos 66% dos servidores públicos e 32% da infra-estrutura (prédios de órgãos públicos, escolas, hospitais, etc). Os municípios estavam sem a presença, os recursos, os serviços e o apoio técnico do governo estadual.
3 Concentração econômica: decisão da oligarquia dominante tomada no Governo José Sarney cujo resultado no longo prazo se caracteriza pela concentração de 1/4 da economia do estado na capital ou 50% nos municípios de São Luís, Açailândia, Imperatriz, Balsas e Caxias; dependência do setor de produção de alumínio e da soja, sabidamente deixam pouco ou quase nada em termos de impostos e desenvolvimento; por fim, 70% do ICMS arrecadado em São Luís. A economia estava de costas para o interior, os municípios deprimidos e sem lugar em face dos grandes projetos.
4 Forte desigualdade de renda e de acesso aos serviços públicos: um Estado com o maior número de famílias cadastradas no Bolsa Família; 34,07% da população privada de abastecimento de água, saneamento básico e coleta de lixo; mais de 20% de analfabetos com 15 anos ou mais; 19% de mortalidade infantil e 37% de mortalidade na infância; fluxo populacional do continente (interior) para a capital em busca de hospitais, remédios, universidades, empregos e oportunidades.
As estratégias de superação adotadas, mas interrompidas com o golpe foram:
1 Recuperar a máquina administrativa: garantindo estrutura, recursos e pessoal; criação de órgãos inovadores como a Secretaria da Igualdade Racial, Secretaria da Mulher e Secretaria da Economia Solidária; ampla reestruturação das carreiras funcionais foi planejada, com inspiração no modelo exitoso do Governo de Minas Gerais; recriação de órgãos estratégicos como a Agerp (assistência técnica rural) e o IMESC (pesquisa aplicada).
2 Desconcentrar o desenvolvimento: por intermédio dos Arranjos Produtivos Locais (APL’s) com apoio do Banco do Brasil e do Sebrae; cobrar a obrigação contratual de 1% sobre o lucro da Cemar, estipulada na passagem do seu controle social do âmbito público para o privado; a Política Estadual de Desenvolvimento Regional concretizada por intermédio do Fundo Maranhense de Combate à Pobreza-FUMACOP e da coordenação dos investimentos privados no Estado, orientando sua distribuição por todo o território maranhense; Programa de Revitalização do rio Itapecuru-PROITA; articulação de projetos de financiamento com o Banco Mundial, a Corporação Andina de Fomento, a JICA e o IICA (todos abandonados pelo atual desgoverno).
3 Descentralizar a gestão pública: fortalecimento dos Conselhos Estaduais de Políticas Públicas; liberação do acesso aos sistemas financeiro e orçamentário do Estado para os Conselhos; criação dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento; Fórum Participativo da Sociedade Civil com o Governo; Comitês e Comissões com participação equitativa Governo e Sociedade para tomada de decisões; Conselho Estadual de Desenvolvimento Econômico e Social, com maioria absoluta de membros da sociedade civil; desconcentração dos órgãos públicos para as 32 regiões (AGED, AGERP, CREAS, FAPEMA, UNIVIMA, UEMA, etc.).
4 Fortalecer as políticas sociais: apoio técnico e financeiro para a estruturação dos Sistemas de Assistência Social e Segurança Alimentar e Nutricional; Políticas para as Mulheres, Igualdade Racial, Esportes e Juventude; Hospitais Regionais (inaugurado o de Presidente Dutra); Programa Mutirão da Cidadania (atendimento médico, social, educacional, cultural, etc.) com mais de 400 mil atendidos em 2 anos; 163 escolas construídas.
É importante destacar que não pretendemos esgotar tudo o que foi feito em um artigo, ele se pretendeu prefaciador das linhas gerais que pautaram as muitas realizações do Governo Jackson Lago. Nosso objetivo foi sintetizar as estratégicas de atuação e exemplificá-las, demonstrando claramente que não se governa com amadorismos e peças de propaganda, mas com participação democrática e embasamento técnico.
Com espírito de inteireza zarpamos no enfrentamento dos desafios ao desenvolvimento do Maranhão e fomos ousados ao “mover no firmamento as nebulosas”, como dizia o poeta Teófilo Dias (1854-1889). Assim, ao ameaçar as bases de sustentação do antigo regime e ao anunciar o “cântico dos livres”, atordoando os velhos donos do poder, a reação não poderia ser outra que não o golpe de abril de 2009.
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